terça-feira, 12 de março de 2013

Carta de Alguém Bem Longe



Voltei àquele hotel de Nice. Pedi o mesmo quarto. A maçaneta da porta do banheiro ainda está quebrada. Acho que ninguém percebeu. Estranho estar lá sem você. Entrei e fui para a varanda. Me sentei lá me deixei ficar, com um cigarro entre os dedos. Era fim de tarde quando cheguei, de modo que pude ver o sol cair no mar enquanto a noite vinha ao meu encontro. Mergulhei na banheira. Cheia daqueles sais que gostamos tanto. A banheira tinha mais espaço. Faltava, ali, você. Grande. Meu super-herói. Coloquei nossa música para tocar enquanto a espuma subia. Mas, por cima do perfume dos sais vinha teu cheiro. Tomei um champagne em nossa homenagem. Em homenagem a tudo o que já fomos e a tudo o que poderíamos ter sido. Adormeci logo. Pela manhã batia um vento fresco que vinha da praia. As cortinas brancas balançavam numa valsa suave. E eu não sei bem o que me fez despertar. Abri os olhos e dei com aquele mar lindo. Às vezes azul. Noutras verde. A praia de pedras por onde costumávamos passear. Não pude conter um largo sorriso. Pedi meu café da manhã na varanda, como fazíamos. Dei uma olhada nas fotos dos jornais que trouxeram. Acho que esqueci todo o meu francês. Não. Não ria. Não ria de mim... ganhei um CD novo. Um tal de Jorge Drexler. Um uruguaio com voz doce. Acho que você vai gostar muito quando ouvir. Ele virou minha trilha sonora. Aliás, todo mundo deveria ter uma trilha sonora sem precisar arrastar o Ipod para todo lugar, não é? Almocei no centro velho. Comi SOCA de novo. E eu me lembrava exatamente do sabor. Foi um prazer louco. Procurei você entre as pessoas que vagavam e compravam pela feira. Andei durante a tarde inteira e achei um lugar belíssimo para comprar suas castanhas preferidas. As brasileiras. Do Pará. Fiz umas fotos bonitas. Acho que você vai gostar. De gente que passava por mim. De casais enamorados. De beijos ardentes na beira da praia. Coisas que só o verão da Côte d’Azur pode revelar.  Me deu mais saudade de você. Quantos quilômetros tem de Paris até aqui? Trouxe aquelas sandálias que você gosta. Vou te esperar vestida só delas. E uma gota de Boucheron, porque eu sei que você enlouquece. E é só isso que eu espero. É isso o que eu desejo ardentemente. Você sem censura. Sem amarras. Sem regras. Como se alguma vez você as tivesse tido... Quem vai perder a lucidez primeiro? Minha boca vermelha vai encostar na sua. E eu vou sugar sua alma e você vai sugar a minha. Em algum lugar uma estrela cadente vai brilhar. Eu sei. E nós estaremos aqui. Pelo com pelo. Pele com pele. Atrito eterno, porque é assim que gostamos. E não vai importar que luz tem lá fora. Se da aurora ou do sol de meio dia. Eu ouço tua voz entrecortada. Sim. Gosto desse som. Em algum lugar nossa música toca. Você está ouvindo? Os cálices esquecidos sobre o criado-mudo. Ainda bem! Porque se ele falasse...! Tuas mãos que deslizam abrindo caminho sem GPS. Você sabe por onde anda. O bom é que nossa história nunca foi pela metade. Inteiro. Inteira. Sempre estivemos inteiros. Onde quer que eu olhe, te vejo. Maldição ou graça. Não sei bem. O mundo fica microscópico quando estamos aqui. E é sempre como a primeira vez. Sua respiração perto demais do meu ouvido. E eu deito a cabeça para o lado, para você poder alcançar melhor o meu pescoço. Quando você vai, sabe o caminho de volta. Passo a passo. Você não consegue ir muito longe. Eu sou seu imã. Grudados. Super Bonder eterno. Um véu. Você levanta o véu. Eu sou a noiva que você sempre desejou. Eu sou a sua certeza. E, depois que você sair daqui, não saberá o quanto eu te amo. Porque você nunca soube. Porque você nunca pode acreditar. Seremos nós somente os habitantes de lobby de hotéis? Ou seremos para sempre. Dias e noites. Curtas demais para toda a densidade que trazemos para cada encontro. Poderíamos ligar a TV. Assistir qualquer coisa que eu já não entendo sem o meu francês, fingindo que é proibido qualquer gesto nosso. Rápido. Agora. Senão eu posso perder o momento. Vem. Invada meu universo. Eu caminho até a varanda. Eu sei que você tem ciúmes. Mas eu nem ligo. O homem que passa pela calçada, lá embaixo, vê meus pelos. Você vai praguejar. Mas eu nem ligo. Até sentir seu hálito quente de novo na minha nuca. Aí eu amoleço. Eu me derreto. Eu me desfaço. Sua escrava. Para sempre. Nada mais é segredo. E se nós não soubéssemos, aprenderíamos depressa. Num segundo só. Não precisamos de estratégia. Porque quando você chega, não preciso de quilha. Eu já sei por onde vou. Você já sabe por onde vem. Não existe nada em você que eu não goste. Você não me entende, mas eu não ligo. Morde. Eu sei que você gosta de morder minha carne. Minhas lágrimas sobem e voltam aos seus olhos. O sol arranha as ondas que estão ali do outro lado da rua. E o que me importa agora são aqueles segundos em que você me cega. 

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