Voltei àquele hotel
de Nice. Pedi o mesmo quarto. A maçaneta da porta do banheiro ainda está
quebrada. Acho que ninguém percebeu. Estranho estar lá sem você. Entrei e fui
para a varanda. Me sentei lá me deixei ficar, com um cigarro entre os dedos.
Era fim de tarde quando cheguei, de modo que pude ver o sol cair no mar
enquanto a noite vinha ao meu encontro. Mergulhei na banheira. Cheia daqueles
sais que gostamos tanto. A banheira tinha mais espaço. Faltava, ali, você.
Grande. Meu super-herói. Coloquei nossa música para tocar enquanto a espuma
subia. Mas, por cima do perfume dos sais vinha teu cheiro. Tomei um champagne
em nossa homenagem. Em homenagem a tudo o que já fomos e a tudo o que
poderíamos ter sido. Adormeci logo. Pela manhã batia um vento fresco que vinha
da praia. As cortinas brancas balançavam numa valsa suave. E eu não sei bem o
que me fez despertar. Abri os olhos e dei com aquele mar lindo. Às vezes azul.
Noutras verde. A praia de pedras por onde costumávamos passear. Não pude conter
um largo sorriso. Pedi meu café da manhã na varanda, como fazíamos. Dei uma
olhada nas fotos dos jornais que trouxeram. Acho que esqueci todo o meu
francês. Não. Não ria. Não ria de mim... ganhei um CD novo. Um tal de Jorge
Drexler. Um uruguaio com voz doce. Acho que você vai gostar muito quando ouvir.
Ele virou minha trilha sonora. Aliás, todo mundo deveria ter uma trilha sonora
sem precisar arrastar o Ipod para todo lugar, não é? Almocei no centro velho.
Comi SOCA de novo. E eu me lembrava exatamente do sabor. Foi um prazer louco.
Procurei você entre as pessoas que vagavam e compravam pela feira. Andei
durante a tarde inteira e achei um lugar belíssimo para comprar suas castanhas
preferidas. As brasileiras. Do Pará. Fiz umas fotos bonitas. Acho que você vai
gostar. De gente que passava por mim. De casais enamorados. De beijos ardentes
na beira da praia. Coisas que só o verão da Côte d’Azur pode revelar. Me deu mais saudade de você. Quantos
quilômetros tem de Paris até aqui? Trouxe aquelas sandálias que você gosta. Vou
te esperar vestida só delas. E uma gota de Boucheron, porque eu sei que você
enlouquece. E é só isso que eu espero. É isso o que eu desejo ardentemente. Você
sem censura. Sem amarras. Sem regras. Como se alguma vez você as tivesse
tido... Quem vai perder a lucidez primeiro? Minha boca vermelha vai encostar na
sua. E eu vou sugar sua alma e você vai sugar a minha. Em algum lugar uma
estrela cadente vai brilhar. Eu sei. E nós estaremos aqui. Pelo com pelo. Pele
com pele. Atrito eterno, porque é assim que gostamos. E não vai importar que
luz tem lá fora. Se da aurora ou do sol de meio dia. Eu ouço tua voz
entrecortada. Sim. Gosto desse som. Em algum lugar nossa música toca. Você está
ouvindo? Os cálices esquecidos sobre o criado-mudo. Ainda bem! Porque se ele
falasse...! Tuas mãos que deslizam abrindo caminho sem GPS. Você sabe por onde
anda. O bom é que nossa história nunca foi pela metade. Inteiro. Inteira.
Sempre estivemos inteiros. Onde quer que eu olhe, te vejo. Maldição ou graça.
Não sei bem. O mundo fica microscópico quando estamos aqui. E é sempre como a
primeira vez. Sua respiração perto demais do meu ouvido. E eu deito a cabeça
para o lado, para você poder alcançar melhor o meu pescoço. Quando você vai,
sabe o caminho de volta. Passo a passo. Você não consegue ir muito longe. Eu
sou seu imã. Grudados. Super Bonder eterno. Um véu. Você levanta o véu. Eu sou
a noiva que você sempre desejou. Eu sou a sua certeza. E, depois que você sair
daqui, não saberá o quanto eu te amo. Porque você nunca soube. Porque você
nunca pode acreditar. Seremos nós somente os habitantes de lobby de hotéis? Ou
seremos para sempre. Dias e noites. Curtas demais para toda a densidade que
trazemos para cada encontro. Poderíamos ligar a TV. Assistir qualquer coisa que
eu já não entendo sem o meu francês, fingindo que é proibido qualquer gesto
nosso. Rápido. Agora. Senão eu posso perder o momento. Vem. Invada meu
universo. Eu caminho até a varanda. Eu sei que você tem ciúmes. Mas eu nem
ligo. O homem que passa pela calçada, lá embaixo, vê meus pelos. Você vai
praguejar. Mas eu nem ligo. Até sentir seu hálito quente de novo na minha nuca.
Aí eu amoleço. Eu me derreto. Eu me desfaço. Sua escrava. Para sempre. Nada
mais é segredo. E se nós não soubéssemos, aprenderíamos depressa. Num segundo
só. Não precisamos de estratégia. Porque quando você chega, não preciso de
quilha. Eu já sei por onde vou. Você já sabe por onde vem. Não existe nada em
você que eu não goste. Você não me entende, mas eu não ligo. Morde. Eu sei que
você gosta de morder minha carne. Minhas lágrimas sobem e voltam aos seus
olhos. O sol arranha as ondas que estão ali do outro lado da rua. E o que me
importa agora são aqueles segundos em que você me cega.
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