Os seios dela estavam perdidos entre os pelos da gola da blusa que usava
e os cabelos que desciam lânguidos pelos ombros. Ele olhava cada milímetro de
pele que o decote permitia com um friozinho na espinha. Seus olhos caminharam
um pouco mais. Para cima. Dando voltas tresloucadas pelo pescoço dela, chegando
à boca. Boca de carne e de uma delicadeza que não se vê em qualquer cidade. Ela
falava. Ele só não sabia se ela falava mais com a boca vermelha ou com as mãos de
dedos longos. Italiana, com certeza. Apesar da curva do rosto: aquela que liga
o queixo às orelhas e que tinha uma melancolia especial das bailarinas
francesas. E, neste instante, ela sorriu. Sorriu de um jeito fácil e sincero.
Ele quase perdeu a concentração. Alguém disse alguma coisa absolutamente comum
e ela riu. Ele subiu um pouco mais. Curioso. Ela olhava para o lado. Para o
dono da piada. Olhos de perdão por uma bobeira qualquer, dita naquela altura da
noite. Os olhos dela eram comuns. De um castanho comum. Mas havia neles uma
profundidade que o incomodou. Algo que lesse dele o mais secreto dos segredos. Então,
ele se ajeitou melhor na cadeira. Ela acendeu um cigarro e era como se houvesse
uma ligação indivisível de atos. Cigarro, mãos, dedos, boca, fumaça. Ele pode
ver uma graça toda especial no jeito dela ignorar o incômodo alheio com o
pequeno vício que deliciava. Ali estava uma mulher de movimentos suaves. E com
um gesto delicadíssimo, ela recostou o rosto de pele clara na mão esquerda.
Fez-se um ângulo perfeito para uma foto em preto e branco. Ele olhava os
cabelos dela. Lisos. De vários tons. Caiam-lhe de lá de cima até entornar nos
seios do decote de pelos. E o decote lhe mostrava um tanto. Ele hipnotizado.
Ela nem sonhando com a existência dele. Ele mergulharia no decote como um
golfinho depois do arco e se perderia ali por dentro. Ela, seguramente, era
alta. Os longos braços denunciavam um Himalaia. De soslaio, ele pode ver os
saltos. Ela seria ainda mais alta naquela madrugada, quando levantasse. E ele
desejou que isso acontecesse. Que ela fosse fazer qualquer coisa para que ele
conseguisse admirar aqueles saltos finíssimos mais de perto. Mas ela estava
envolvida no entretenimento de outra estória que lhe era contada como um
quase-segredo. Seus olhos estavam felizes e ela sorria um pouco. Meio de lado.
Enquanto ouvia, levou um copo à boca de carne e sorveu uma bebida que ele não
sabia bem o que era. Ela sorriu novamente. E naquele momento ele estava ainda
mais absorto. Mais curioso. Quase impaciente. Ela chegou mais perto, para que o
interlocutor lhe falasse ao ouvido. O decote abriu um pouco mais. Ele pode ver
quase toda a curva do seio. Ela sorria, interessada no segredo que lhe
contavam. Depois levou a mão à boca, como se para calar um comentário que
jamais poderia ser feito. Recostou-se na cadeira e sorriu para outra pessoa.
Acendeu outro cigarro com a mesma leveza. Tinha uma expressão de tranqüilidade.
Da maneira em que estava, ele agora podia olhar seu rosto de frente. Observou o
lápis que lhe contornava os olhos. Os cílios longos que piscavam lentamente.
Ela pôs o cabelo atrás da orelha. Depois juntou todo o cabelo com as duas mãos
e os enrolou em um pequeno coque que soltou logo a seguir. Ele, boquiaberto,
podia acompanhar cada fio de cabelo que lhe caia no decote de pelos. Ela
sorriu, em agradecimento, ao garçom que lhe entregava outra bebida. Os
movimentos dela estavam mais lentos agora. Ela roçou o próprio pescoço e deixou
que sua mão penetrasse o decote. Bem lentamente. Quase um carinho. Um carinho
que ele faria se pudesse. Ali, do esconderijo onde ele se encontrava, ele não
perdia um único detalhe. A cada levantar de sobrancelhas que ela dava ele sabia
se ela gostara ou não do que fora falado. Ele, quase incontido, imaginava maneiras
impossíveis para se aproximar. Ela distraída e ele estrategista. Ela uma chuva
morna, ele uma queda no abismo. E, de repente, ela olhou para ele. Olhou como
olhava para qualquer pessoa que estivesse sentada naquela mesa de amigos. Abriu
um largo sorriso e ele quase se sentiu um menino. Desprotegido. Cheio de medos.
Louco por travessuras. Ela apoiou os cotovelos na mesa, com o rosto entre as
mãos. Ela olhava e ele nem sabia bem o que fazer. Ela olhava nos olhos dele. E
quanto mais ela recostava o rosto nas mãos, mais seu decote entregava a ele um
mar calmo e desconhecido. E, naquele momento, ele já nem lembrava mais se sabia
nadar. A boca de carne não falava. As mãos de veludo não falavam. Os olhos dela
diziam muito. E ele, pego em sua investigação secreta, não traduzia com clareza
o aramaico que os olhos dela diziam. Um momento depois ela se distraiu com
alguém que contava outro caso. Ela riu um pouco e se concentrou na conversa da
mesa onde estava. Esqueceu dele. Quando ele chegou em casa, pensava no que
teria feito se pudesse. Melhor: ele pensou no que teria feito se tivesse mais
coragem que um rato. Mas um bom rato certamente faria loucuras se pudesse
mergulhar naquele decote. A madrugada demorou a minguar. Ele, deitado em sua
cama desenhava aquela curva tão admirada no teto do quarto. Solitário, mas com
curvas. Decote de curvas na memória do que poderia ter sido. Mas, agora, o
desenho sinuoso no teto do quarto era tudo o que um rato poderia ter.
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