segunda-feira, 18 de março de 2013

Cicatriz




Porque será que o corpo não esquece? Jogo fora as cartas. Rasgo as fotografias. Escondo tudo numa gaveta profunda. As lembranças. Mas o corpo possui seu modo próprio de guardar os toques, os retoques e a alma de um momento. É quase cicatriz o que trago espelhado pela pele. São suas digitais. Lembranças para os dias frios, você dizia. E eu estava aqui, quietinha, ouvindo essa música que gosto tanto... pensando na vida... E, de algum lugar, ouvi tua voz. Eu ouvi meu nome na tua voz. As letras do meu nome escorrendo da sua boca. Devagar. Eu ouvi você chegando. Passos de gato. Você vem e toma conta de tudo. Você sabe que é dono. E a história que eu já havia esquecido, emerge. A história que eu jamais havia esquecido, emerge. O sofá aconchega e eu vou me perdendo. Vou caindo para o alto. Me enroscando nos seus fantasmas que vagueiam pelo céu da minha sala de estar. Estar imóvel para que eu possa sentir cada nota da música. Estátua tua. Escrava. Sugo o ar. Violenta. E o que chega aos meus pulmões de mulher é o teu suor, que goteja sobre o meu rosto enquanto você se movimenta. Eu não me mexo. Você manda e eu cada vez mais estátua. Há gotas suas por toda a sala. O pêndulo do relógio sobre o piano não será capaz de te acompanhar. Jamais. E eu sorrio. E você atravessa minha boca com a sua. Faz piruetas no céu da minha boca. Tenho sede. Tenho muita sede. E você pára. Um único segundo. Você pára e olha dentro dos meus olhos. Eu sei o que vai acontecer e sorrio para você. Você sabe o que vai acontecer e morde o meu pescoço. Vem.

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