Minha vida estava numa calma que eu até estranhava. Tudo assim: morno. E
parece que você sabe o momento exato de discar meu número. Pronto. Tocou. O
celular tocou no meio da multidão de gravatas que estava na reunião. Eu
coloquei para o seu número uma musiquinha bem brega. Era uma maneira que eu
tinha de te pisar um pouco mais. Gosto de ver você sofrer. Mesmo que você não
saiba. Mas eu jamais poderia imaginar que a tal musiquinha brega tocaria no
meio de uma reunião importante. Começou a tocar e a sala foi silenciando. Um
olhando para o outro, esperando para ver quem ia atender o celular. E eu ali:
girando o lápis entre os dedos, levei uma eternidade até sacar que era o MEU
celular que estava tocando. Peguei o bicho de dentro da bolsa, enquanto todos
me olhavam. Vi seu nome no visor e fingi que não me importava. Coloquei o modo
silencioso, olhei para as gravatas todas, cruzei a perna e sorri, como se nada
tivesse acontecido. Ainda por um segundo, o silêncio se manteve. As notas da
música brega estavam penduradas no varal de fumaça da sala de reuniões. Depois,
como se num passe de mágica, todos voltaram a falar ao mesmo tempo. Era para
ser uma reunião rápida. Coisa de meia hora. Mas aquelas gravatas não paravam de
falar. Anotei uma coisa ou outra, porque minha memória já não vale muito. No
canto da folha escrevi seu nome. E desenhei uma estrela ao lado. Mais uma. E
outra. Pronto: meu papel parecia caderno de adolescente. E por mais estelar que
minhas anotações poderiam ser, eu sabia do perigo que estava por vir. O celular
fez um gemido. Agora, além do arrepio que me subia pelas costas, eu sabia que
você tinha deixado uma mensagem de voz. E as gravatas não paravam de tagarelar.
Pedi licença e fui ao banheiro. Mentira. Era só uma desculpa para poder pegar
meu celular nas mãos e ouvir minha caixa postal. Sentei na poltrona de veludo
vermelho do banheiro e liguei. Digite isso. Digite aquilo e zam!, lá estava o
começo da sua mensagem... você com aquela voz macia que eu gosto tanto, falando
de saudades e propondo um encontro para logo mais à noite... minhas pernas
amolecendo... É sempre assim: quando eu penso que tudo está bem, quando eu
penso que tenho o controle sobre a minha vida, você aparece com esse jeito
manso de falar e meu céu vira do avesso. Fica dono do meu telefone e dos meus
lençóis. Eu já posso sentir o seu hálito quente que fala perto demais da minha
orelha. A boca molhada que mordisca minha nuca e começa a descer. O arrepio. Os
meus dentes travados. O ar que inunda meu peito que arfa e entorta minhas
costas. As suas mãos nas minhas pernas. Agora abrindo um pouco mais. Fecho os
olhos para te ver melhor. E aquela estória de chapeuzinho vermelho nem me
interessa mais, eu quero é saber do lobo mau. Ouço a mensagem mais uma vez e
penso na calcinha que vou vestir para você. Mando uma mensagem escrita: OK.
Isto significa que eu estarei lá. Às oito em ponto. Sobre os meus saltos agulha
e o decote que eu sei que você gosta. Eu vou correr para o meu destino. E mesmo
sabendo dos riscos que é estar com você, eu me alinho. Volto para a reunião das
gravatas tresloucadas com um sorriso que não consigo descolar da minha boca. As
gravatas percebem alguma mudança, mas eu nem ligo. Às oito eu tenho
compromisso.
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