terça-feira, 12 de março de 2013

Gig



Estou caminhando há horas por este corredor infinito para abrir a porta da tua sala de verdades e ver teus olhos que se escondem atrás dessa tua postura de homem sério. Caminho, languidamente, balançando a minha bolsa cheia de segredos, batom e documentos que provam o que eu fui um dia. Eu estou caminhando e vou te ver. Meus sapatos tilintam pelo piso brilhante do corredor, como se eu não tivesse outro destino a seguir. Sou, para sempre, em tua direção. Eu caminho em direção a você e você já sabe que eu estou vindo. Você escuta meus pensamentos todos pelas paredes que te protegem: seu invólucro contra o mundo que sente, contra o mundo que vê, contra tudo o que ouve, e contra tudo o que poderia ser, mas não é, porque você, às vezes, tem medo. Não dá o primeiro passo. Não dá o passo adiante. Somos o avesso do que poderia ter sido. Somos o rascunho do que seria. Somos tudo o que ainda será. Você desenha no papel das probabilidades com tua caneta de ouro e o peso que a tua história tem, enquanto eu sorrio e caminho para o meu destino. Eu não sou uma mulher que tem dúvidas. Eu não quero razões. Eu quero sangue na veia. Toco a maçaneta da porta que te protege para saber que vou te encontrar titubeando do outro lado... com a respiração entrecortada. Você reclama, mas eu não posso fazer nada: sou visceral. Giro, devagar a maçaneta dourada, para entrar no teu mundo cheio de esquadros. Estatísticas poéticas de uma vida que você gosta de parecer ter. Você ouve o clique da fechadura abrindo, mas já sabia dos meus passos na tua direção. Tua gravata espreme um pouco mais o teu pescoço de macho, segurando dentro do teu terno a imagem que você faz de si mesmo. Teus radares todos derretem enquanto você olha para a porta que se abre devagar... Você já sabe o que está por vir, mas mesmo assim se sobressalta, como se aquele fosse seu último momento de vida, antes de alcançar o céu que eu te ofereço. Você é um homem de dogmas, de verdades construídas e, ainda assim, críveis. Mas quando você encontra meus olhos os seus saltam, inseguros. Eu sabia que você ia se perder. Você sempre se abandona quando eu chego. Eu gosto, mas finjo que não percebo. Eu sorrio e você não sabe que botão aperta. Você quer correr, mas está colado na cadeira de riga que te amarra. Você sabe o que está por vir, mas não se afasta. A sua boca entreaberta. Vapores que a tua respiração desenha na sala gélida, vazia... e agora cheia de nós dois. Só nós dois. Façamos planos... que é para poder esquecer o caminho, depois. Você vê que fecho a porta devagar e deixo para trás o mundo que te aflige. Agora somos só nós dois. O que poderia ser mais perigoso? O que poderia ser mais letal? A fé em alguma coisa? Ou o medo de morrer? Muitas perguntas dentro da sua cabeça que reverberam pela sala toda, misturando o cheiro da sua impaciência com o meu perfume francês e os vestígios do meu último cigarro. Frases e interrogações de um homem que construiu uma imagem para si mesmo, mas que, agora, não faz o mínimo sentido. Não necessitamos de qualquer invólucro. Não precisamos de laços de presente. Cartão de felicitações. Apresentações formais. Cartões de visita. Nada. Seu olho no meu olho, e brilham. Nossas atmosferas que se misturam para se tornar alguma coisa diferente. Muito diferente de tudo o que você conhece. Vou te apresentar um universo. Confia em mim. Pelo menos agora que estou aqui. Pelo menos agora que você sabe que é dono. Porque tudo isso pode acabar em apenas alguns segundos se o meu telefone ou o teu tocar... se alguém precisar decidir sobre uma vida inteira... se a paz mundial for abalada... tudo isso é muito frágil, apesar de tudo o que se conspira para unir eu e você. Você se livra das amarras da tua cadeira, mas eu ainda estou aqui, perto da porta. E você sabe que quando der o primeiro passo na minha direção, nada mais vai importar. Nada mais vai fazer sentido. Não adianta você sorrir manso, desse jeito. Meu carneirinho dos meus sonhos de infância que já passou. Você sabia do perigo que corria, mas mesmo assim não se importou. Não adianta se perguntar o que fazer agora. Não tem mais jeito. De onde estamos não podemos mais voltar. Esquecemos o que fomos. Somos gente sem passado. Somos o resultado deletado de uma vida tranquila que nunca mais vai ser. Você quer saltar a mesa e me beijar. Tua saliva de lobo mau entornando pela gravata de bom gosto. Eu também quero saber o segredo da tua boca, mais me retenho um pouco mais para ver a paisagem... para ter do que lembrar. Teus olhos dizem mais do que você pode dizer. Agora eu sei teus segredos todos. Você sorri com teus dentes perfeitos na boca bem desenhada. Não tem som vagando pela sala, mas eu ouço a tua ansiedade vindo. Eu sei que você é mais do que tem. Alguém já deve ter dito que você é cheio de vontades. Eu também sou. Mas o que importa isso agora que estou aqui, encostada na porta que fechei para o mundo e só existe você e eu? Lá fora as buzinas de carros são gladiadores do mundo comum. Aqui as coisas são outras. Você sabe bem porque eu disse sim e cheguei até aqui. Você quer que o mundo desapareça por algumas horas e que só reste esta sala que cheira a papel manuseado. Você só quer a paisagem que você vê. Não aquilo que teus olhos viam. Sou tudo aquilo que você sonhou por tanto tempo. Eu quero ouvir tua voz, mas você não diz. Tua garganta está espremida entre o homem que você quer ser para sempre e o homem que é agora. Logo agora que parecia que seu mundo estava tão organizado... tão minuciosamente arquitetado para um futuro tranquilo, sem sobressaltos... Poucos metros nos separam do paraíso que um dia você sonhou. Mas agora eu estou aqui. E você?

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