Estou caminhando há
horas por este corredor infinito para abrir a porta da tua sala de verdades e
ver teus olhos que se escondem atrás dessa tua postura de homem sério. Caminho,
languidamente, balançando a minha bolsa cheia de segredos, batom e documentos
que provam o que eu fui um dia. Eu estou caminhando e vou te ver. Meus sapatos
tilintam pelo piso brilhante do corredor, como se eu não tivesse outro destino
a seguir. Sou, para sempre, em tua direção. Eu caminho em direção a você e você
já sabe que eu estou vindo. Você escuta meus pensamentos todos pelas paredes
que te protegem: seu invólucro contra o mundo que sente, contra o mundo que vê,
contra tudo o que ouve, e contra tudo o que poderia ser, mas não é, porque
você, às vezes, tem medo. Não dá o primeiro passo. Não dá o passo adiante.
Somos o avesso do que poderia ter sido. Somos o rascunho do que seria. Somos
tudo o que ainda será. Você desenha no papel das probabilidades com tua caneta
de ouro e o peso que a tua história tem, enquanto eu sorrio e caminho para o
meu destino. Eu não sou uma mulher que tem dúvidas. Eu não quero razões. Eu
quero sangue na veia. Toco a maçaneta da porta que te protege para saber que
vou te encontrar titubeando do outro lado... com a respiração entrecortada. Você
reclama, mas eu não posso fazer nada: sou visceral. Giro, devagar a maçaneta
dourada, para entrar no teu mundo cheio de esquadros. Estatísticas poéticas de
uma vida que você gosta de parecer ter. Você ouve o clique da fechadura abrindo,
mas já sabia dos meus passos na tua direção. Tua gravata espreme um pouco mais
o teu pescoço de macho, segurando dentro do teu terno a imagem que você faz de
si mesmo. Teus radares todos derretem enquanto você olha para a porta que se
abre devagar... Você já sabe o que está por vir, mas mesmo assim se
sobressalta, como se aquele fosse seu último momento de vida, antes de alcançar
o céu que eu te ofereço. Você é um homem de dogmas, de verdades construídas e,
ainda assim, críveis. Mas quando você encontra meus olhos os seus saltam,
inseguros. Eu sabia que você ia se perder. Você sempre se abandona quando eu
chego. Eu gosto, mas finjo que não percebo. Eu sorrio e você não sabe que botão
aperta. Você quer correr, mas está colado na cadeira de riga que te amarra.
Você sabe o que está por vir, mas não se afasta. A sua boca entreaberta.
Vapores que a tua respiração desenha na sala gélida, vazia... e agora cheia de
nós dois. Só nós dois. Façamos planos... que é para poder esquecer o caminho,
depois. Você vê que fecho a porta devagar e deixo para trás o mundo que te
aflige. Agora somos só nós dois. O que poderia ser mais perigoso? O que poderia
ser mais letal? A fé em alguma coisa? Ou o medo de morrer? Muitas perguntas
dentro da sua cabeça que reverberam pela sala toda, misturando o cheiro da sua
impaciência com o meu perfume francês e os vestígios do meu último cigarro. Frases
e interrogações de um homem que construiu uma imagem para si mesmo, mas que,
agora, não faz o mínimo sentido. Não necessitamos de qualquer invólucro. Não
precisamos de laços de presente. Cartão de felicitações. Apresentações formais.
Cartões de visita. Nada. Seu olho no meu olho, e brilham. Nossas atmosferas que
se misturam para se tornar alguma coisa diferente. Muito diferente de tudo o
que você conhece. Vou te apresentar um universo. Confia em mim. Pelo menos
agora que estou aqui. Pelo menos agora que você sabe que é dono. Porque tudo
isso pode acabar em apenas alguns segundos se o meu telefone ou o teu tocar...
se alguém precisar decidir sobre uma vida inteira... se a paz mundial for
abalada... tudo isso é muito frágil, apesar de tudo o que se conspira para unir
eu e você. Você se livra das amarras da tua cadeira, mas eu ainda estou aqui,
perto da porta. E você sabe que quando der o primeiro passo na minha direção,
nada mais vai importar. Nada mais vai fazer sentido. Não adianta você sorrir
manso, desse jeito. Meu carneirinho dos meus sonhos de infância que já passou. Você
sabia do perigo que corria, mas mesmo assim não se importou. Não adianta se
perguntar o que fazer agora. Não tem mais jeito. De onde estamos não podemos
mais voltar. Esquecemos o que fomos. Somos gente sem passado. Somos o resultado
deletado de uma vida tranquila que nunca mais vai ser. Você quer saltar a mesa
e me beijar. Tua saliva de lobo mau entornando pela gravata de bom gosto. Eu
também quero saber o segredo da tua boca, mais me retenho um pouco mais para
ver a paisagem... para ter do que lembrar. Teus olhos dizem mais do que você
pode dizer. Agora eu sei teus segredos todos. Você sorri com teus dentes
perfeitos na boca bem desenhada. Não tem som vagando pela sala, mas eu ouço a
tua ansiedade vindo. Eu sei que você é mais do que tem. Alguém já deve ter dito
que você é cheio de vontades. Eu também sou. Mas o que importa isso agora que
estou aqui, encostada na porta que fechei para o mundo e só existe você e eu? Lá
fora as buzinas de carros são gladiadores do mundo comum. Aqui as coisas são
outras. Você sabe bem porque eu disse sim e cheguei até aqui. Você quer que o
mundo desapareça por algumas horas e que só reste esta sala que cheira a papel
manuseado. Você só quer a paisagem que você vê. Não aquilo que teus olhos viam.
Sou tudo aquilo que você sonhou por tanto tempo. Eu quero ouvir tua voz, mas
você não diz. Tua garganta está espremida entre o homem que você quer ser para
sempre e o homem que é agora. Logo agora que parecia que seu mundo estava tão
organizado... tão minuciosamente arquitetado para um futuro tranquilo, sem
sobressaltos... Poucos metros nos separam do paraíso que um dia você sonhou.
Mas agora eu estou aqui. E você?
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