Da janela ela podia ver o Sena, desenrolando devagar e, ao fundo, a Torre
Eiffel. Da cozinha, o cheiro doce de croissant que acabava de sair do forno.
Era assim cada sábado, o dia em que ele voltava para casa. O dia em que as
viagens de trabalho se interrompiam para que ela pudesse se aninhar nos braços
dele. A preguiça ainda estava dentro dela e teimava em sair. A calcinha branca
de algodão se enrolava um pouco na cintura, cada vez que ela girava na cama,
fazendo hora para levantar. O relógio marcava 7 horas da manhã e o sol já
estava morno. Corria pelas tábuas do assoalho, brincando pelas frestas.
Silêncio total. Flores no jardim. O vinho na geladeira. Os queijos esperando.
Ela encheu a banheira e mergulhou. O cigarro aceso esquecido no cinzeiro sobre o
criado-mudo. Óleo de banho. Sais. Devagar. Um arrepio. Ela cantarolou, entre
dentes: La bohème, la bohème, On était jeunes, on était fous, La
bohème, la bohème, Ça ne veut plus rien dire du tout... Os olhos fechados. Mais
um suspiro. A toalha branca e macia. Gotas de água pelo corpo nu que caminhava
pelo quarto. Ela se abaixou e puxou debaixo da cama a mala. Esvaziou suas
gavetas e seu armário. Antes de fechar a mala, guardou dentro dela um
porta-retrato com uma foto dele. Cadeado. O espelho que revelava uma mulher
nova, vestida de azul. Ela ajeitou o batom, as meias e os saltos altos. Seus
sapatos faziam barulho no assoalho. A escada que rangia. A porta que se abriu
para o inesperado. O taxi até o aeroporto. Passagem de ida e volta, no caso de
se arrepender. Voar.
Ele chegou perto das 6 da tarde. Abriu a porta já sorrindo, antecipando o
abraço, o beijo, o olhar. Passou pelo batente sem já saber onde trancar sua
ansiedade, mas deu com um croissant ainda dentro do forno. Descarregou suas
malas na sala da lareira. Abriu as portas que davam para a varanda e para o
Sena, que tinha a torre ao fundo. Subiu devagar a escada que rangia pensando em
não acordá-la. Deu com o quarto vazio. Sob o abajur, um bilhete: Sempre teremos
Paris.
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