E como será quando as fotos tiverem sido carcomidas pelo tempo e eu não
puder mais me lembrar da imagem que vai no papel? Será que minha mente também
vai ter esquecido das sensações? Dos toques? Do gozo? Daquele sorriso no meio
da chuva? Como será o dia em que eu não tiver mais o papel para me mostrar quem
você é naquela multidão que freqüenta minhas noites de frio? Eu terei esquecido
o gosto? Língua não tem memória? Mesmo? Meus pelos ainda estão eriçados. O
corpo inteiro. É a lembrança da tua voz ao telefone que soou na minha vida
tranqüila. Quando tudo está em paz é que devemos nos proteger. Nos guardar.
Fechar as gavetas das lembranças de um tempo que poderia ter sido, mas não foi.
Nem nunca vai ser. Porque não tinha que ser. Porque não tinha que ser? Seu
sotaque preenche as lacunas entre as palavras que fazem som. E, agora,
reverberam pelas paredes do meu quarto. Uma gota de suor empalidece minha
testa. E desaba pelos meus contornos, como se você ainda fosse meu dono. Eu
viro de lado. Dormir. Viro do outro lado. Sua foto. Amarela. O tempo. O relógio.
O tic-tac. O que não volta mais. E, talvez por isso seja tão bom. O telefone
que toca no meio da noite. De novo. A tua alegria incontida. A tua esperança. E
eu já não sei mais. Nem de mim. O que destrói a foto também destrói a
lembrança? As lembranças. Um milhão delas. Minhas cicatrizes indeléveis. Um
sentimento de pertencimento para sempre. Para quem? Ouço as minhas palavras na
voz de alguém que não conheço. Ou que não me lembro. Não sei bem. As minhas
palavras tomam outras formas quando ditas por alguém que as lê e que não sou
eu. O outro que vê a minha foto nas tuas mãos também me vê diferente? Ou serei
eu o camaleão? Para sempre escondida por baixo da idéia que as pessoas fazem de
mim... A nossa música toca ao longe. E cada acorde faz um caracol de cristais
que voa pela sala da minha casa. Um mapa. Uma rota. Um caminho. Uma linha que
ligue dois pontos. Imediatamente. Porque você me conhece e sabe que não sou de
fazer hora. Que não sei esperar. Que sou o contrário de tudo o que pode ser
paciente. Eu sou o contrário do silêncio. Eu sou o impossível de conter. E
você, cansado dessa sua vidinha amena e projetada, agora lembrou que tem sangue
nas veias. Lembrou de quando ele corria. Desembestado. Sem freio. Lembrou do
calor que faz quando sua língua toca minha nuca. E, agora, está disposto a
correr perigo... Nesta altura do campeonato? Você pediu e eu vou. Você sabe que
eu vou chegar e se senta. Tenta aparentar uma placidez que nunca foi sua. Não
quando seu sangue tinha velocidade. Mas você se senta na sua poltrona colorida
favorita e espera. Acende aquele seu Marlboro francês que eu gosto tanto.
Senta, fuma e espera, ao lado da mesinha que sustenta o cálice do vinho. Sabe
que a campainha vai soar. Dim-dom. E pronto: o universo está desfeito. Tudo de
cabeça para baixo. Alarmes tocando sem parar. Placas de advertência. Fogo nas
cortinas. Quando eu passar pela porta você terá perdido o controle sobre o seu
mundo. Quando eu passar pela porta eu serei seu mundo. Como sempre foi. Como
para sempre deveria ter sido. A foto amarelou no porta-retratos, mas você
inventou de colocar fogo em tudo. Logo agora. Logo quando as coisas podiam se
ajeitar. Mas eu vou fechar os olhos e ir. Você vai abrir um sorriso quando
ouvir meus passos nas folhas do seu jardim. Você vai abrir a porta e um sorriso
e me receber. Não vamos precisar de palavras. Vamos precisar de ar!
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