terça-feira, 26 de março de 2013

Fotograma



E como será quando as fotos tiverem sido carcomidas pelo tempo e eu não puder mais me lembrar da imagem que vai no papel? Será que minha mente também vai ter esquecido das sensações? Dos toques? Do gozo? Daquele sorriso no meio da chuva? Como será o dia em que eu não tiver mais o papel para me mostrar quem você é naquela multidão que freqüenta minhas noites de frio? Eu terei esquecido o gosto? Língua não tem memória? Mesmo? Meus pelos ainda estão eriçados. O corpo inteiro. É a lembrança da tua voz ao telefone que soou na minha vida tranqüila. Quando tudo está em paz é que devemos nos proteger. Nos guardar. Fechar as gavetas das lembranças de um tempo que poderia ter sido, mas não foi. Nem nunca vai ser. Porque não tinha que ser. Porque não tinha que ser? Seu sotaque preenche as lacunas entre as palavras que fazem som. E, agora, reverberam pelas paredes do meu quarto. Uma gota de suor empalidece minha testa. E desaba pelos meus contornos, como se você ainda fosse meu dono. Eu viro de lado. Dormir. Viro do outro lado. Sua foto. Amarela. O tempo. O relógio. O tic-tac. O que não volta mais. E, talvez por isso seja tão bom. O telefone que toca no meio da noite. De novo. A tua alegria incontida. A tua esperança. E eu já não sei mais. Nem de mim. O que destrói a foto também destrói a lembrança? As lembranças. Um milhão delas. Minhas cicatrizes indeléveis. Um sentimento de pertencimento para sempre. Para quem? Ouço as minhas palavras na voz de alguém que não conheço. Ou que não me lembro. Não sei bem. As minhas palavras tomam outras formas quando ditas por alguém que as lê e que não sou eu. O outro que vê a minha foto nas tuas mãos também me vê diferente? Ou serei eu o camaleão? Para sempre escondida por baixo da idéia que as pessoas fazem de mim... A nossa música toca ao longe. E cada acorde faz um caracol de cristais que voa pela sala da minha casa. Um mapa. Uma rota. Um caminho. Uma linha que ligue dois pontos. Imediatamente. Porque você me conhece e sabe que não sou de fazer hora. Que não sei esperar. Que sou o contrário de tudo o que pode ser paciente. Eu sou o contrário do silêncio. Eu sou o impossível de conter. E você, cansado dessa sua vidinha amena e projetada, agora lembrou que tem sangue nas veias. Lembrou de quando ele corria. Desembestado. Sem freio. Lembrou do calor que faz quando sua língua toca minha nuca. E, agora, está disposto a correr perigo... Nesta altura do campeonato? Você pediu e eu vou. Você sabe que eu vou chegar e se senta. Tenta aparentar uma placidez que nunca foi sua. Não quando seu sangue tinha velocidade. Mas você se senta na sua poltrona colorida favorita e espera. Acende aquele seu Marlboro francês que eu gosto tanto. Senta, fuma e espera, ao lado da mesinha que sustenta o cálice do vinho. Sabe que a campainha vai soar. Dim-dom. E pronto: o universo está desfeito. Tudo de cabeça para baixo. Alarmes tocando sem parar. Placas de advertência. Fogo nas cortinas. Quando eu passar pela porta você terá perdido o controle sobre o seu mundo. Quando eu passar pela porta eu serei seu mundo. Como sempre foi. Como para sempre deveria ter sido. A foto amarelou no porta-retratos, mas você inventou de colocar fogo em tudo. Logo agora. Logo quando as coisas podiam se ajeitar. Mas eu vou fechar os olhos e ir. Você vai abrir um sorriso quando ouvir meus passos nas folhas do seu jardim. Você vai abrir a porta e um sorriso e me receber. Não vamos precisar de palavras. Vamos precisar de ar!



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