Eu não sei
guardar segredos. Os mistérios rasgam a minha boca e explodem para que os
outros vejam, ouçam e sintam os corpos escondidos. Ungidos os corpos que
estavam velados pelo segredo que não é mais. Antes, as palavras estavam
caladas, doces... feito veludo. Mas perdi o controle em algum momento e elas
foram crescendo, fazendo cócegas em minha garganta, num misto de prece e de
feitiço. Ameaça de revelar minha alma. E, então, eu segurava, eu apertava,
espremia. No silêncio, pensava que as palavras tinham morrido. Uma calma
provisória me encharcava e eu sorria. Você vinha e caminhava pelo meu quarto
grande e cheio de armadilhas. Eu tinha as palavras e você não sabia. Eu tinha
as palavras. O mistério. O segredo das coisas. Você atravessava a porta e vinha
em minha direção sem saber do perigo. Um passo depois de outro. Você olhava
para mim e sorria. Seus passos pelo quarto eram como pegadas invisíveis. Mas eu
tenho super-poderes e, mesmo no escuro, podia ver todos os desejos que te
acompanhavam como um cortejo de sorte. E você sabe que a sorte pode ser boa ou
ruim. Meu homem estava chegando e eu sabia. Eu sempre soube tudo. Meu homem estava
caminhando em minha direção e eu via vindo com ele o menino que ele também era.
As palavras saculejaram um pouco mais dentro de mim. Ressuscitaram. Criaram
vida de novo. Eu me ajeitei melhor na cama, apoiada sobre os cotovelos, te
esperando. Eu sempre soube como despertar sua malandragem. E você vinha vindo.
Devagar. Eu olhava você, que agora tinha o corpo nu iluminado pela meia luz que
vinha do Tiffany lilás que ficava na minha mesinha de cabeceira. Você, agora,
era um raio de luz violácea que caminhava através das minhas armadilhas, em
minha direção, sem pensar nos riscos que corria. A atmosfera era temperada por
uma música suave que escorria das caixas de som e penetrava os poros do meu
quarto. A voz mansa e mole da cantora remendava a música que, às vezes se
acidentava nos feriados. Mas hoje era dia de trabalhar. E você vinha vindo.
Agora poderia ser para sempre. Para mim as coisas sempre são definitivas. E,
definitivamente, eu tinha vantagens sobre você, que não conhecia os segredos
todos. Você estava cada vez mais perto. Da minha pose de Cleopatra eu podia
sentir seu hálito quente que, em poucos segundos estaria em minha nuca. Pousou
sobre meus lençóis de cetim. Assim, de perto, eu podia ver as minhas pegadas
sobre as costas dele. Ele me olhava e eu sorria para ele, incentivando-o a
chegar cada vez mais perto do perigo. Agora ele sabia dos riscos. Mas parecia
não se importar. E eu sorria um pouco mais, apertando os olhos, incitando,
disfarçando a ameaça que se calcificava diante dele. Ele não se importava. Eu
sabia. Eu também não me importava, pois conhecia o que vinha. Ele vinha se
arrastando sobre meus lençóis macios, pois eu sou o último dia de sol dele.
Agora ele está ao alcance dos meus pés. Encosta de leve no meu tornozelo e faz
promessas de subir. Eu tenho o segredo e as palavras vão ficando maduras. Agora
ele está agarrado às minhas coxas. Alpinista de mim é ele. Eu sou uma montanha
de perigos e ele vem. Ele vem com aquela boca viajante. Me derruba e me acode.
Me morde e me salva do lobo mau que eu deixo ele ser. Existem coisas que são
difíceis de dizer. Mas eu digo sim. Eu digo sim. Eu vou perder o controle se
ele continuar com a língua envolta no meu lóbulo direito. Às vezes, eu deixo
que ele pense que sabe como me enlouquecer. E, nestas horas, eu deixo que ele
se engane, enquanto eu pinto o céu de uma cor que gosto mais. As mãos dele nas
minhas costas. Ele me aperta por fora e eu gosto. As palavras vão crescendo por
dentro e eu gosto. Eu sou o espremido entre ele e as palavras que, mais cedo ou
mais tarde, vão explodir. Ele tem um lugar especial no meu quintal de memórias.
Se ele me perguntasse agora, eu diria que jamais me esqueceria dele. Eu
prometeria qualquer coisa que ele quisesse, desde que ele não saísse de cima de
mim. Desde que ele não parasse. Desde que ele não secasse o suor que agora vem
descendo pelas têmporas de trabalhador dele. Eu iria para onde ele me mandasse,
se ele não parasse. Se ele não parasse de mordiscar meu pescoço. Porque você
sabe que todas as direções são possíveis. Ainda mais agora que você olha assim,
de cima, para mim, e eu tenho, aqui dentro todos os segredos que se mexem
através das palavras que mudam de forma. O abajur lilás. As paredes do meu
quarto. O cetim que escorrega. Os seus poros que vão despejando. O céu lilás do
meu quarto. Os meus cigarros que esperam na mesinha de cabeceira. Os meus pés
de bailarina. Sim. Eu prometo. Eu juro qualquer coisa. Eu sou capaz de jurar até
as palavras que eu não tenho. Eu juro pela luz dos seus olhos. Dono. É meu. Não
tenho outro. Vem. Os meus lábios pintados de vermelho. O meu grito abafado pela
tua boca. E agora mais. De outro jeito. Pelo outro lado. Esqueci o segredo. Não
lembro mais. Nunca adormeça sua boca viajante no meu ventre. Eu sou seu
passaporte. Eu sou a fruta mordida. Vem. Mais para cima. Sinta mais o meu
gosto. Esqueci o segredo. Já não sei mais. Que horas são?
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