quarta-feira, 27 de março de 2013

Mandrake






Eu não sei guardar segredos. Os mistérios rasgam a minha boca e explodem para que os outros vejam, ouçam e sintam os corpos escondidos. Ungidos os corpos que estavam velados pelo segredo que não é mais. Antes, as palavras estavam caladas, doces... feito veludo. Mas perdi o controle em algum momento e elas foram crescendo, fazendo cócegas em minha garganta, num misto de prece e de feitiço. Ameaça de revelar minha alma. E, então, eu segurava, eu apertava, espremia. No silêncio, pensava que as palavras tinham morrido. Uma calma provisória me encharcava e eu sorria. Você vinha e caminhava pelo meu quarto grande e cheio de armadilhas. Eu tinha as palavras e você não sabia. Eu tinha as palavras. O mistério. O segredo das coisas. Você atravessava a porta e vinha em minha direção sem saber do perigo. Um passo depois de outro. Você olhava para mim e sorria. Seus passos pelo quarto eram como pegadas invisíveis. Mas eu tenho super-poderes e, mesmo no escuro, podia ver todos os desejos que te acompanhavam como um cortejo de sorte. E você sabe que a sorte pode ser boa ou ruim. Meu homem estava chegando e eu sabia. Eu sempre soube tudo. Meu homem estava caminhando em minha direção e eu via vindo com ele o menino que ele também era. As palavras saculejaram um pouco mais dentro de mim. Ressuscitaram. Criaram vida de novo. Eu me ajeitei melhor na cama, apoiada sobre os cotovelos, te esperando. Eu sempre soube como despertar sua malandragem. E você vinha vindo. Devagar. Eu olhava você, que agora tinha o corpo nu iluminado pela meia luz que vinha do Tiffany lilás que ficava na minha mesinha de cabeceira. Você, agora, era um raio de luz violácea que caminhava através das minhas armadilhas, em minha direção, sem pensar nos riscos que corria. A atmosfera era temperada por uma música suave que escorria das caixas de som e penetrava os poros do meu quarto. A voz mansa e mole da cantora remendava a música que, às vezes se acidentava nos feriados. Mas hoje era dia de trabalhar. E você vinha vindo. Agora poderia ser para sempre. Para mim as coisas sempre são definitivas. E, definitivamente, eu tinha vantagens sobre você, que não conhecia os segredos todos. Você estava cada vez mais perto. Da minha pose de Cleopatra eu podia sentir seu hálito quente que, em poucos segundos estaria em minha nuca. Pousou sobre meus lençóis de cetim. Assim, de perto, eu podia ver as minhas pegadas sobre as costas dele. Ele me olhava e eu sorria para ele, incentivando-o a chegar cada vez mais perto do perigo. Agora ele sabia dos riscos. Mas parecia não se importar. E eu sorria um pouco mais, apertando os olhos, incitando, disfarçando a ameaça que se calcificava diante dele. Ele não se importava. Eu sabia. Eu também não me importava, pois conhecia o que vinha. Ele vinha se arrastando sobre meus lençóis macios, pois eu sou o último dia de sol dele. Agora ele está ao alcance dos meus pés. Encosta de leve no meu tornozelo e faz promessas de subir. Eu tenho o segredo e as palavras vão ficando maduras. Agora ele está agarrado às minhas coxas. Alpinista de mim é ele. Eu sou uma montanha de perigos e ele vem. Ele vem com aquela boca viajante. Me derruba e me acode. Me morde e me salva do lobo mau que eu deixo ele ser. Existem coisas que são difíceis de dizer. Mas eu digo sim. Eu digo sim. Eu vou perder o controle se ele continuar com a língua envolta no meu lóbulo direito. Às vezes, eu deixo que ele pense que sabe como me enlouquecer. E, nestas horas, eu deixo que ele se engane, enquanto eu pinto o céu de uma cor que gosto mais. As mãos dele nas minhas costas. Ele me aperta por fora e eu gosto. As palavras vão crescendo por dentro e eu gosto. Eu sou o espremido entre ele e as palavras que, mais cedo ou mais tarde, vão explodir. Ele tem um lugar especial no meu quintal de memórias. Se ele me perguntasse agora, eu diria que jamais me esqueceria dele. Eu prometeria qualquer coisa que ele quisesse, desde que ele não saísse de cima de mim. Desde que ele não parasse. Desde que ele não secasse o suor que agora vem descendo pelas têmporas de trabalhador dele. Eu iria para onde ele me mandasse, se ele não parasse. Se ele não parasse de mordiscar meu pescoço. Porque você sabe que todas as direções são possíveis. Ainda mais agora que você olha assim, de cima, para mim, e eu tenho, aqui dentro todos os segredos que se mexem através das palavras que mudam de forma. O abajur lilás. As paredes do meu quarto. O cetim que escorrega. Os seus poros que vão despejando. O céu lilás do meu quarto. Os meus cigarros que esperam na mesinha de cabeceira. Os meus pés de bailarina. Sim. Eu prometo. Eu juro qualquer coisa. Eu sou capaz de jurar até as palavras que eu não tenho. Eu juro pela luz dos seus olhos. Dono. É meu. Não tenho outro. Vem. Os meus lábios pintados de vermelho. O meu grito abafado pela tua boca. E agora mais. De outro jeito. Pelo outro lado. Esqueci o segredo. Não lembro mais. Nunca adormeça sua boca viajante no meu ventre. Eu sou seu passaporte. Eu sou a fruta mordida. Vem. Mais para cima. Sinta mais o meu gosto. Esqueci o segredo. Já não sei mais. Que horas são?

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Quero saber sua opinião.